Comentando Filme: Farrapo Humano (1945)

Um Clássico Etílico. Hollywood já gerou uma porção de bons filmes sobre drogas. A lista é imensa: O Homem do Braço de Ouro, Os Viciados, Drugstore Cowboy, Despedida Em Las Vegas, e por aí vai. Farrapo Humano, de Billy Wilder, entretanto, é frequentemente apontado como o melhor do gênero. Não sem motivo. "The Lost Weekend", o título em inglês "fim de semana perdido", já entrega o teor do filme. A droga em questão é o álcool, o velho destruidor de lares, e o filme é um dos dramas mais amargos da história. 

Rodado em 1945, o roteiro é baseado num romance de Charles R. Jackson e traz Ray Milland como o "farrapo humano" Don Birnam, numa interpretação perfeita, extremamente realista, sem os exageros característicos dos dramalhões. É uma combinação perfeita entre diretor, escritor e ator, sem falar do resto da equipe técnica. A trilha sonora de Miklós Rózsa, por exemplo, foi pioneira no uso do theremin, um instrumento de sons esquisitos que seria posteriormente popularizado nos filmes de ficção científica dos anos 50. 

Foto: Ray Milland e  Jane Wyman

Farrapo Humano conta a história de Don Birnam, um alcoólatra crônico e aspirante a escritor, que entrega-se a mais um ciclo de bebedeiras, acabando com os planos de seu irmão e sua namorada de levá-lo para um fim de semana saudável no campo. Tudo começa de forma quase otimista. Don e Wick, seu irmão (Phillip Terry ), estão em casa fazendo as malas e a conversa gira em torno do quanto uns dias longe da cidade fará bem a Don. "Será bom pra você... Depois de tudo que você passou", diz Wick. O irmão concorda, fazendo questão de afirmar que está há 10 dias sóbrio. 

Mas logo tudo começa a se esclarecer. Don realmente pretende viajar com o irmão, mas não está nem um pouco interessado em passar quatro dias longe da bebida. Enquanto separa suas roupas para a viagem, seu pensamento está inteiramente voltado para uma garrafa escondida, separada especialmente para lhe fazer compainha durante o feriado. No entanto, as verdadeiras intenções de Don vêm a tona quando Wick descobre a garrafa, pendurada num cordão para fora da janela (detalhe sórdido), e despeja seu conteúdo na privada. Começa, então, a derrocada emocional de Don através do fim de semana. 

Primeiro ele convence seu irmão a trocar o horário do trem para acompanhar sua namorada, Helen (Jane Wyman ), a um concerto de Brahms, já que a garota tem duas entradas e, segundo Don, não fica bem ela ir desacompanhada ao teatro. "Você vai com ela. Eu ainda preciso terminar de arrumar minha mala", alega Don - é obviamente uma desculpa esfarrapada para tentar arranjar uma outra garrafa durante a ausência do irmão. Wick acaba concordando. Sabe que seu irmão não tem um tostão furado e os bares das redondezas já não lhe dão mais crédito. 

Sozinho em casa, começa a entrar em desespero, tentando arrumar uma solução para o problema. Viajar sem a garrafa está fora de questão. Para seu alívio, uma visita inesperada traz sua salvação: A faxineira aparece para fazer seu serviço, porém é dispensada por Don, cujo estado de nervos não admite a presença de mais ninguém no recinto. Porém, quando a empregada pergunta se Wick deixou algum dinheiro para ela, Don pensa rápido e responde: "Provavelmente. Onde ele costuma guardar?". Depois que a mulher informa o local, Don some por uns instantes e retorna em seguida, dizendo que seu irmão esqueceu de deixar o dinheiro. "Que pena! Eu queria fazer compras hoje"!, lamenta-se a empregada. É a deixa que Don precisava pra se munir de uísque, e iniciar sua maratona alcoólica. 

Com 10 dólares na mão, Don vai direto a um bar e pede seu primeiro drink. Avisa ao barman para lhe lembrar que de 15 para às seis, ele deve estar em casa, de malas prontas, esperando pelo irmão. Horas mais tarde, está esparramado no balcão, bêbado, ocupado com um discurso solitário. O barman lhe relembra pela centésima vez do horário combinado. "Don, você deve ir para casa! Seu irmão está esperando por você". "Quem disse isso?", pergunta realmente surpreso com o fato. "Você mesmo!". Mas já é tarde. O garçom lhe informa a hora - seis e dez. A essa altura, seu irmão deve estar prestes a entrar no trem. 

Don acaba ficando sozinho em casa durante todo o feriado, alternando suas bebedeiras com terríveis crises de abstinência. Tenta em vão começar o seu tão planejado romance, mas não consegue passar do título: The Bottle (A Garrafa). Entregue ao álcool no apartamento, ele revê vários eventos tumultuados de sua vida, todos eles em decorrência da bebida. 

A direção de Billy Wilder acompanha o tormento de Don durante o "fim de semana perdido" da forma mais angustiante possível, captando toda a humilhação e desespero do personagem - sobretudo na cena em que dom começa a delirar em seu apartamento, vendo morcegos e ratos saindo das paredes. Ray Milland encarna o personagem de forma espantosa, suando e tremendo pelas ruas, em busca de um trago matinal. O papel rendeu a Milland seu único Oscar. Curiosamente, ao ganhar o prêmio, o ator não disse uma palavra sequer. 

Farrapo Humano recebeu sete indicações ao Oscar, faturando quatro estatuetas: Melhor filme, melhor roteiro original, melhor diretor, para Billy Wilder, além do já citado Oscar de melhor ator para Ray Milland. O filme de vez em quando é exibido no Telecine Cult. Fique atento.

Título Original: The Lost Weekend
Título no Brasil: Farrapo Humano
País: Estados Unidos
Ano de Lançamento: 1945
Direção: Billy Wilder
Roteiro: Charles R. Jackson, Charles Brackett, Billy Wilder
Gênero: Drama
Elenco: Ray Milland, Jane Wyman, Phillip Terry, Howard Da Silva e Doris Dowling
Nota: 9,0 

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