Comentando Filme: O Inquilino (1976)

Roman Polanski é frequentemente considerado um dos grandes mestres do terror, mais particularmente do gênero terror-psicológico. O curioso é que, em toda a sua extensa filmografia, o cineasta só rodou quatro filmes do gênero. Exclua dessa lista o fraquíssimo "O Último Portal" e sobram três clássicos indispensáveis em qualquer filmoteca. São eles: Repulsa ao Sexo, O Bebê de Rosemary e O Inquilino

Todos os três merecem um destaque nesta seção, mas escolhi O Inquilino (ou Le Locataire), o filme é de 1976, época em que a filmografia de Polanski ainda permanecia impecável (há quem espinafre filmes como Que? de 73, uma obra surrealista, com Marcello Mastroianni) e sete anos após o assassinato de sua esposa Sharon Tate (que contracenou com Polanski na comédia A Dança dos Vampiros ), na época grávida do diretor, pela gangue do psicopata mais famoso do mundo, Charles Manson. 

O Inquilino

Absolutamente tenso e claustrofóbico, O Inquilino é filmado em grande angular, o que transmite ainda mais o clima paranoico do chamado terror-psicológico de Polanski. Logo na apresentação dos créditos, sabemos que estamos diante de um clássico. A música de Philippe Sarde parece uma cantiga de lamento saída dos infernos. A câmera passeia por janelas onde reflexos bizarros surgem e desaparecem discretamente, como reminiscências de pesadelos. 

Eis que entra em cena o polonês Trelkovsky, o próprio Roman Polanski, revelando-se um excelente ator (essa sua outra faceta fica ainda mais evidente no filme Uma Simples de Formalidade, em que atua ao lado de Gérard Depardieu), que entra num prédio procurando um quarto para alugar. A recepcionista do lugar é fria e hostil. Recebe-o com indiferença e vai mostrar o quarto a contragosto, sem procurar fazer muita propaganda do lugar. Inclusive, comenta: "a inquilina anterior pulou da janela. Ainda não concertaram o telhado. Veja você mesmo", e, num gesto brusco, empurra a cabeça de Trelkovsky para fora da janela, para que o futuro inquilino possa ver o estrago que sua antecessora fez. A câmera cai em cima do buraco no telhado como uma vertigem e a recepcionista solta uma risada áspera. "É uma vista e tanto, não?", comenta. 

O senhorio (Melvyn Douglas) é menos simpático ainda. Não faz nenhuma oferta camarada e ainda reluta em alugar o quarto. "Eu não preciso do seu dinheiro. Eu só estou alugando para não deixar o quarto trancado", diz o velho, enquanto faz seu desjejum, falando como se Trelkovsky não estivesse presente.O negócio fica parcialmente fechado. Parcialmente, porque a ex-inquilina, Simone Shue, ainda está viva, embora ninguém bote muita fé que ela vá sobreviver. 

Enquanto espera pelo sinal verde, no caso a morte de Simone, Trelkovsky sente-se atraído pela história e resolve visitá-la no hospital, onde ela encontra-se em estado de semi-coma, enfaixada como uma múmia, em cima de uma cama. 

É no hospital que ele encontra Stela (Isabelle Adjani), uma amiga da paciente, com quem troca algumas idéias sobre a fatalidade do ocorrido e acaba indo parar num cinema, dando uns amassos enquanto assistem Operação Dragão, com Bruce Lee. Antes de deixarem o hospital, entretanto são molestados por um grito gutural de Simone, que parece mais que está vomitando a alma. Destaque para a equipe de efeitos sonoros. 

Simone Shue acaba morrendo e logo Trelkovsky encontra-se enclausurado no seu novo lar. A vizinhança também é hostil - batem nas paredes ao menor ruído de Trelkovsky. Ele tem que viver pisando em ovos, pois o senhorio pode despeja-lo a qualquer momento. 

Tudo é escuro e precário. Na solidão do seu apartamento, ele observa pessoas dos prédios vizinhos, que aparatamente não fazem nada além de ficarem imóveis, com o olhar fixo nas janelas de Trelkovsky, chegando a passar horas e horas na mesma posição. 

A paranóia começa a tomar conta quando Trelkovsky começa a descobrir vestígios da antiga inquilina no apartamento. Primeiro acha um dente enrolado num algodão, enfiado num buraco na parede. Depois começa a remexer as gavetas e descobre as roupas de Simone Shue. Nesta altura, ele já acredita que há um complô para que ele assuma a identidade da falecida, paranóia que se instaura a partir das atitudes do garçom da esquina, que teima em lhe servir os mesmos pedidos que ex-inquilina costumava fazer, ou ainda, por estranhas conexões com símbolos egípcios (o corpo de Simone Shue no leito do hospital lembra uma múmia) que começam a persegui-lo nas situações mais corriqueiras. 

O Inquilino é um elo entre O Bebê de Rosemary e Repulsa Ao Sexo. Enquanto que no primeiro, havia um realmente um complô diabólico agindo contra o personagem de Mia Farrow, em Repulsa Ao Sexo, o complô não passa de pura neurose. Em O Inquilino, não é possível determinar com clareza a origem da paranóia de Trelkovsky. Tudo leva a crer que ele está enlouquecendo, isso é óbvio. No entanto, existe de fato um complô: os vizinhos, o garçom, o senhorio, etc. 

Apesar do clima soturno, O Inquilino também contém momentos de humor negro. Quando Trelkovsky finalmente assume a identidade da ex-inquilina e passa a se travestir de Simone Shue (essa parte eu não deveria contar), alguns diálogos beiram ao hilário. Outra parte engraçada é quando Trelkovsky está matando tempo num parque e observa um garotinho chorando pelo barquinho que boiou para longe da margem de uma fonte. Uma mulher se aproxima e diz: 

- Oh! O que foi? Não chore! 
- Meu barquinho! - e aponta para o brinquedo, que se distancia cada vez mais. 
- Não chore! Eu vou buscar. Qual é o seu barquinho? 
- O Vermelho! 

Quando a moça sai para fazer sua boa ação, Trelkovsky se levanta indignado e caminha até o menino. Encara-o por alguns seguntos e lhe dá um sonoro tapa. 

- Nojento! - grita com um asco inexplicável, antes de se afastar. 

É uma cena aparentemente dispensável, por não se encaixar muito bem no contexto, mas que acaba funcionando como um dos pontos chaves da narrativa para que o telespectador perceba o nível de loucura em que o personagem se encontra. 

O Inquilino foi um daqueles filmes raros que o SBT costumava exibir uma vez ou outra. Fica a dica de filme. 

Título Original: The Tenant
Título no Brasil: O Inquilino
País: França
Ano de Lançamento: 1973
Direção: Roman Polanski
Roteiro: Roland Topor (livro), Gérard Brach e Roman Polanski
Gênero: Drama
Elenco: Roman Polanski, Isabelle Adjani, Melvyn Douglas
Nota: 9,0 

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