O que significa, para um filme, ser "um marco na história do cinema"? No caso de 2001 - Uma Odisséia no Espaço (2001 - A Space Odyssey, EUA/Inglaterra, 1968), de Stanley Kubrick, significa ter sido a base para dezenas de obras que vieram depois, e que continuam vindo até hoje, de ter fornecido à humanidade imagens e sons inesquecíveis que rondam a nossa consciência popular e, por fim, ter despertado a admiração de milhões de pessoas, mundo a fora, através de uma visão única da vida e dos mistérios do espaço investigados pela curiosidade do homem, sempre em busca de um conhecimento quase sempre petulante.
2001 - Uma Odisseia no Espaço |
O filme tem que tem mais de 50 anos. Muita gente desta geração, aqui no Brasil, só deve ter visto 2001 em DVD, ou na TV ou em algum serviço streaming.
2001 foi o último dos filmes realizados em "grande formato", neste caso em Super Panavision 70, e apresentado em cinemas especiais mundo a fora em Cinerama, projetado em telas extra-largas e seis canais de som estéreo. Foi pensado e realizado para ser exibido numa tela grande, algo que fica bem claro já na grandiloqüente imagem de abertura, onde percebe-se a intenção de reproduzir um pouco da vastidão do espaço na tela do cinema, um pouco da ambição que será apresentada pelo filme. Esta vastidão também pode ser aplicada à aventura do homem e seu desenvolvimento tecnológico, místico e espiritual. Lembrem que é muito difícil ser grandiloqüente, algo que Kubrick sabe fazer como nenhum outro, no cinema.
Falar, ou lembrar de 2001 também significa observar que Kubrick organizou uma montagem fantástica de visões e ruídos. É verdade que a Also Sprach Zarathustra, de Richard Strauss (popularmente conhecida como "tema" de 2001) já perdeu parte do seu impacto ao longo dos últimos 30 anos através da própria influência do filme. É normalmente ouvida em comerciais de máquina de lavar, cursinhos ou balés colegiais. Mas, não há como negar o efeito hipnótico de seqüências como "A Chegada do Ônibus Espacial" ao som do Danúbio Azul, num balé de tecnologia sublinhada pela arte imortal da música.
A utilização revolucionária de som no filme não resume-se exclusivamente à música, mas também à economia de ruídos e predominância do silêncio, estilo que influenciou diretamente outros dois clássicos da ficção científica, Alien - O 8o Passageiro (1979, cujo slogan dizia "No espaço, ninguém ouve o seu grito") e Blade Runner (1982), de Ridley Scott. Kubrick não estava brincando quando pesquisou seu filme, baseado na obra de Arthur C. Clarke, e mostra o espaço como um vácuo silencioso, sonorizado pelas máquinas do homem, pelo seu medo (uma forte respiração) e por uma presença forte de misticismo simbolizada pelo muito discutido monolito negro, cuja presença, ou aparições, são acompanhadas de algo indescritível na trilha sonora, presente na longa "Overture" e "Entr'Acte", criando toneladas de clima, ou sei lá o quê. Na verdade, a exemplo de Barry Lyndon (1975), que parece ter sido filmado em locação, no século XVIII, 2001 parece mesmo ter sido feito em locações, no espaço sideral, tamanha a precisão do que é aqui apresentado.
Aos 50 anos, o filme apresenta uma quantidade impressionantemente pequena de pontos envelhecidos. Os efeitos especiais (orgulhosamente creditados, no design, ao próprio Kubrick) continuam excelentes, quase dez anos antes de Guerra Nas estrelas trazer algo de novo, já no final da década de 70. As imagens de naves no espaço não precisam ser melhores do que as aqui apresentadases. Os interiores, especialmente a roda centrífuga da nave Discovery é, talvez, um dos sets mais fascinantes já mostrados num filme, Hotel Overlook (de O Iluminado, também de Kubrick) incluído.
O único ponto realmente envelhecido, pelo menos para mim, é a forma demonstrativa e orgulhosa que o filme exibe as peculiaridades da vida "no futuro", ou "no espaço". Pilotos sorridentes recebem uma aeromoça sorridente, que traz a comida especialmente empacotada para consumo em gravidade zero. Uma longa cena, aparentemente patrocinada pelos laboratórios Bell, mostra como seria o telefone "do futuro", ou um videofone. Se o filme simplesmente mostrasse tudo isso "en passant" (como os sapatos aderentes da aermoça) ou como parte da narrativa (a maravilhosa seqüência de chegada do ônibus espacial à estação"), imagino que uma sensação maior de naturalidade seria transmitida.
Em conjunto, no entanto, a Metro estava realmente certa: 2001 é "a maior das viagens" (The Ultimate Trip), algo confirmado por milhares de ocorrências planeta a fora de espectadores consumindo drogas durante sessões, especialmente já na parte final do filme, conhecida afetuosamente como "the trip".
Ver 2001 pela primeira vez hoje, ou até mesmo revê-lo, significa tentar desligar-se de tudo que ele inspirou e concentrar-se no filme como fonte primária. Tente ouvir Thus Spake Zarathustra como se fosse a sua primeira vez (será difícil), esqueça Guerra Nas Estrelas, Alien, Enigma do Horizonte, Blade Runner, Contato e dezenas de outros filmes, David Bowie, Zé Ramalho, Arquivo X ou Os Trapalhões, tente zerar o seu banco de dados para uma melhor apreciação deste filme influente.
A história? O filme é dividido em quatro partes distintas: na pré-história, primatas deparam-se com um monolito negro que parece agir como catalisador da inteligência humana, expressa através da violência. Pulamos alguns milhões de anos para a descoberta do mesmo monolito, aparentemente enterrado na lua por alguma inteligência desconhecida. A terceira parte, acontece a bordo da nave Discovery, a caminho de Júpiter, onde um homem irá lutar pela sobrevivência (isso lembra aspectos específicos da batalha de Ripley, em Alien, para fugir da Nostromo). A Quarta, transcorre num lugar denominado "Além do Infinito".
A bordo da Discovery, os humanos (Keir Dullea e Gary Lockwood) são racionais, frios, e o computador HAL 9000 pelo menos soa mais humano que um humano, embora certamente não o seja. HAL é um dos grandes vilões do cinema, guardando sob seu tom de voz educado e culto uma certeza assassina e equivocada do que significa "proteger a missão". A sequência em que Dullea é obrigado a ministrar um "Ctrl + Alt & Del" radical em HAL chega a dar calafrios ("Minha mente está indo... Dave... Eu estou com medo...").
Por ser um marco na história do cinema, 2001 nos apresenta um verdadeiro catálogo de momentos importantes e memoráveis. Além da morte vermelha de HAL, há o famoso corte que transforma o osso jogado ao alto por um primata numa nave, o balé espacial que segue ao som de O Danúbio Azul, Lockwood se exercitando na Discovery, observado por uma das marcas registradas de Kubrick, o travelling que acompanha seus personagens imediatamente à frente, ou atrás deles. Há, claro, a viagem final, que nos leva ao quarto onde tudo, e todos os estágios da vida, parece originar, o início de toda a criação. Para quem vê pela primeira vez, a enorme interrogação pode parecer inevitável. Para os que já viram várias vezes, a certeza de que este é um filme que, como o próprio Kubrick já afirmou, vai direto no sentimento e na intuição. Enfim, uma obra-prima.
Título Original: 2001 - A Space Odyssey
Título no Brasil: 2001 - Uma Odisséia No Espaço
País: Estados Unidos, Inglaterra
Ano de Lançamento: 1968
Direção: Stanley Kubrick
Roteiro: Stanley Kubrick, Arthur C. Clarke
Gênero: Ficção Científica, Drama
Elenco: Keir Dullea, Gary Lockwood, William Sylvester e Douglas Rain
Nota: 10,0
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